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  • cristiano300781

Como a escrita nos fez humanos

The Conversation é um portal que publica inúmeros textos interessantes. Aqui, ofereço a tradução de um artigo sobre o livro How Writing Made Us Human, 3000 BCE to Now, de Walter Stephens. O artigo me deixou muito curioso em ler o livro, que ainda não tem tradução no Brasil. Apesar de achar que a matéria foca muito no que o livro não aborda, me pareceu um livro muito necessário para quem tem interesse na escrita. Além disso, tenho a intenção de iniciar na tradução literária futuramente, e caso esse livro não seja traduzido no Brasil, vai ser um futuro projeto! Boa leitura!



Como a escrita 'nos fez humanos' – uma ‘história emocional’ do antigo Iraque até os dias de hoje


Evidências sugerem que a escrita foi inventada no sul do Iraque em algum momento depois de 3000AC. Mas o que aconteceu depois? Qualquer pessoa interessada nessa questão vai encontrar em How Writing Made Us Human, de Walter Stephens, uma leitura agradável e estimulante. Oferece o que chama de “história emocional” da escrita, principalmente citando acadêmicos e escritores da tradição ocidental.


As seções mais detalhadas do livro são aquelas sobre os períodos da Renascença e da Idade Moderna, onde a especialidade do autor e seu grande engajamento com as fontes são palpáveis. Tópicos que vão além da sua expertise são atendidas através de estudos de caso muito bem escolhidos.


Muitas coisas interessantes – como os grafitti antigo e moderno, ou o histórico esforço acadêmico de reconstruir formas de escritas ainda mais antigas – saem do escopo do livro. Mas a abrangência, de Uruk (atualmente Warka, Iraque) no 4° milênio AC até os dias de hoje, é enorme.


Stephens produziu uma fascinante história cheia de reviravoltas. Um dos grandes debates, que durou até o Renascimento, era sobre quem inventou a escrita. Sem conhecimento, tanto arqueológico quanto cronológico, o que os pensadores tinham à disposição eram, principalmente, a Bíblia Hebraica e os escritores greco-romanos.


Aqui, o historiador judaico-romano Flavius Josephus (37DC a 100DC) tem impacto significativo: Josephus forneceu um relato da invenção da escrita após a grande inundação bíblica. Se debates posteriores acreditaram, desacreditaram, parodiaram, refutaram, ou (devido ao antissemitismo) ignoraram deliberadamente, o relato de Josephus apareceu muitas vezes nos estudos da linguagem através dos séculos.


A Escrita nos faz humanos?


O título, How Writing Made Us Human (Como a escrita nos fez humanos – em tradução livre), é inspirado no papel que aprender a ler e escrever desempenhou na emancipação das pessoas escravizadas na América do Norte do século XIX. Adquirir competências de alfabetização promoveu verdadeiro avanço do humanismo no público norte-americano. Permitiu que pessoas escravizadas que tinham alcançado a liberdade compartilhassem as terríveis experiências de crueldade com o público leitor. O público letrado também deveria ler os argumentos a favor da abolição e tornar-se defensor dela.


Escravidão é um dos poucos momentos do livro onde o efeito e a atitude de escrever é discutida em relação às pessoas analfabetas. A ironia é, naturalmente, que através da história humana, a grande maioria dos humanos não sabia ler ou escrever. Com sorte, ninguém descreveria os milhões de pessoas analfabetas ao redor do mundo hoje como seres humanos ruins ou fracassados. Nesse sentido, o "nós" no título só funciona em um sentido restrito.


Por outro lado, a escrita tem um importante papel em moldar e estruturar as sociedades humanas. Dessa forma, ela tem efeitos de grande alcance também sobre as pessoas analfabetas.


De diversas maneiras, a escrita já foi uma ferramenta de resistência, mas também um meio de controle social. Esses aspectos, nos quais a escrita realmente impacta (quase) todos os seres humanos, não são muito explorados no livro, cujo foco é mais histórico do que antropológico. Isso significa que investigações etnográficas contemporâneas sobre escrita e alfabetização também ficam fora do escopo.


O livro opera principalmente coletando e analisando um número impressionante de declarações feitas ao longo do tempo por estudiosos e literatos da escrita. Uma abordagem complementar seria trabalhar por inferência, como examinar escolhas ortográficas e tradições. Teria sido útil ver mais sobre a prática de transmissão por ditado e memorização, onde a escrita e as tradições orais se fundiam.


Walter Stephens no túmulo de Jean-François Champollion, o decifrador de hieróglifos. Janet Stephens

Mesmo que o foco do livro seja, em princípio, um tanto restrita em comparação com a história da escrita como um todo, Stephens o desenvolve de maneira generosa. Ele oferece amplas informações históricas, um tom altamente legível (e frequentemente agradável) e inúmeras pérolas - como a de que a Biblioteca de Constantinopla supostamente incluía "o intestino de um dragão de vinte pés de comprimento, no qual a Ilíada e a Odisseia de Homero haviam sido escritas em letras de ouro".


Além de suas muitas observações sobre atitudes em relação à escrita, o livro pode ser apreciado como um estudo microscópico da "tradição ocidental". Ele demonstra que as atitudes eruditas em relação à escrita são um ponto de vista fascinante para observar essa história longa e complicada.


Texto original escrito por Martin Worthington, Associate Professor, Near & Middle Eastern Studies, Trinity College Dublin.

Tradução de Cristiano Barba Ruiva, tradutor e músico.

Clique aqui para ler o original.


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